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Qual independência?

por  Raphael Bruno, colaborador, jornalista e cientista político

Os recentes acontecimentos envolvendo ingerências sobre a atuação de duas das maiores agências reguladoras do país, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) contribuíram para elucidar algo mais sobre o peculiar desenvolvimento institucional do modelo regulatório brasileiro e suas correlações, numa dimensão mais ampla, com o próprio papel do Estado.

Forjadas no laboratório da reforma do Estado e das privatizações na década de 90, a concepção norteadora das agências era simples e atraia a simpatia de muitos teóricos, pois, em tese, assumia postura ideológica intermediária. Admitida uma ineficiência comparativa do Estado em relação à iniciativa privada, tratava-se de retirar do Estado sua atuação mais direta na produção de bens e prestação de serviços.

Contudo, ao contrário do que preconizava os modelos liberais mais radicais, ainda haveria necessidade de um constante e fundamental papel a ser exercido pela máquina estatal: a regulação sobre as atividades da iniciativa privada, tendo como pano de fundo o atendimento, em alguma medida, do interesse público envolvido em determinado setor.

As críticas até então mais comuns em relação à forma como esse modelo havia se desenvolvido no Brasil partiam, aparentemente, de dois pólos opostos. Um questionava a falta de independência das agências frente aos interesses políticos mais diretos do comando de ministérios e da presidência, outro reclamava da ingerência e da colonização do processo decisório das agências pelos interesses econômicos das empresas atuantes nos setores regulados. O que tanto na venda da Varig quanto a compra da Brasil Telecom pela Oi revelaram é que, no caso brasileiro, o que existe é uma nociva e explosiva combinação de ambas interferências.

O problema assume uma dimensão teórica mais profunda. As interpretações mais superficiais da dinâmica da economia política costumam contrapor os interesses do Estado frente aos da iniciativa privada, numa dualidade simplificada de bem comum e bem privado, norma e liberdade.

A regulação deficitária das agências reguladoras brasileiras serve para demonstrar que, muitas  vezes, entender os dois entes, Estado e mercado, como dois pólos opostos e em conflito, é simplesmente insuficiente para dar explicações convincentes sobre as transformações políticas e econômicas. Fica claro que, em alguns casos, o Estado assumirá descaradamente interesses privados e trabalhará por eles.

Desnecessário dizer que o fenômeno da dificuldade de se regular a atuação de grandes grupos econômicos não é exclusividade brasileira. Fundamental é perceber que a questão estrutural, portanto, não diz respeito às agências em si. Mas sim, de maneira mais ampla, às possibilidades de independência do Estado em relação aos interesses privados.