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FIM DE UM CICLO

por  Raphael Bruno, cientista político e jornalista

Apesar de municipais, as eleições de outubro próximo fornecerão um quadro consistente das articulações políticas nacionais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe disso. Meses atrás, falava na necessidade de buscar ao máximo reproduzir nas alianças locais a estrutura da base partidária que o sustenta. Recentemente, sinalizou para candidatos ávidos pela sua presença em palanques que deve evitar o constrangimento de apoiar uma candidatura em detrimento de outra igualmente integrante da base do governo. Quer ganhar prefeituras e ajudar aliados sim, mas sem causar tensões desnecessárias em seu próprio governo.

O PT foi mais claro. Um tanto quanto envergonhado de alguns aliados que hoje integram o governo, fala em sua resolução eleitoral em dar preferência a partidos mais à esquerda dentro da própria base. Leia-se legendas como PCdoB, PDT e PSB. Não que isso acabe tendo efeito prático mais decisivo nas coligações. A vergonha de caminhar ao lado de antigos desafetos ou corruptos notórios é muito menor do que a vontade de governar. Contudo, revela que a legenda não deixa de perceber que finalmente a liderança política que exerce no campo das esquerdas pode estar chegando ao fim.

Sinais do desencadeamento desse processo não faltam. A principal liderança aglutinadora de forças, o próprio presidente Lula, caminha para abandonar esse papel, salve uma pretensão relativa a 2014. Os tropeços na tentativa de lançar Dilma Roussef mostram que não será fácil a construção de uma alternativa interna. E o bloco PCdoB, PSB e PDT mostra-se fiel, sem dúvidas. Mas articula-se para outubro com independência. E o faz pensando em 2010. Com ou sem PT. Quem tem Ciro Gomes com 20% de intenções de voto não precisa, num primeiro momento, de Dilma com 4%.

Por fim, resta ainda o fato de que a grande paixão vivida hoje pelo governo PT é o PMDB. Abandonadas posturas e programas ideológicos mais firmes de outrora, o PT se entrega cada vez mais às relações carnais com o PMDB. Descobre, com prazer, que para seus fins imediatos a noiva pemedebista se revela muito mais interessante do que as legendas menores que orbitam à sua volta há pelo menos 20 anos. Sem dúvida, o momento decisivo para que assim o fosse foi a disputa eleitoral de 1989. Por muito pouco, Lula deixou Brizola para trás e foi para o segundo turno contra Fernando Collor. A partir daquele momento, o PT incorporou e atraiu para si o projeto da esquerda no Brasil pós-redemocratização. Pela prática política, há tempos é no mínimo delicado situar o PT e Lula no campo das esquerdas. Nem ele mesmo assim o faz. Parece que um dos últimos elementos que ainda sustentavam esse tipo de enquadramento caminha para se esvaziar. Criado o vácuo, resta saber se alguém conseguirá ocupá-lo de maneira minimamente competitiva.